quinta-feira, 3 de junho de 2010

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES... E ESPINHOS

PESSOAL, ESTA MATÉRIA ESCREVI NO DIA 31 DE MARÇO DE 2010, NO DIA QUE COMPLTOU46 ANOS DO GOLPE MILITAR. ESSA MATÉRIA CONTOU OS REFLEXOS DO GOLPE SOBRE A VIDA DA MINHA FAMÍLIA. BOA LEITURA! ABRAÇÃO!

Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais,braços dados ou não...”

As águas de março fecharam o verão de 1964 com prenúncio de anos difíceis. À noite do dia 31 de março foi a data do golpe militar... De madrugada, embaixo de chuva, ouvem-se barulhos de motores, bater de portas, vozes. O toque na porta de madrugada e a invasão por militares dentro dos lares; metralhadoras apontadas para as cabeças das crianças e...

Assim foram as prisões de inúmeras pessoas naqueles dias. Com meu pai, José Vieira, foi exatamente assim.

Levado ao exército, lá encontrou muitos cidadãos de bem da nossa cidade, nomes que não citarei aqui, pois são pessoas que não querem lembrar desse episódio. Delegados, médicos, advogados, padres e bispos, operários, jornalistas, enfim, pessoas de todas as classes sociais e categorias profissionais, pais de família que se tornaram, de uma hora para outra, SUBVERSIVOS, inimigos do novo regime que se instalava: a Ditadura Militar.

Da prisão no exército de Lorena, ele e os outros foram levados para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Ao sair de lá, viu-se desempregado, perseguido, vigiado e com 5 filhos para criar (meus irmãos mais velhos, somos em oito no total). Ao contrário das pessoas de mais expressão na época que iam para o exílio na Europa, por exemplo, ele foi trabalhar de autonômo como pedreiro (para arrumar emprego precisava do “Atestado de Antecedente Político e Social, emitido pelo DOPS), vendeu a casa com um grande terreno e comprou uma menor, para usar o dinheiro para o sustento da família. Idealista, viu com muita tristeza a instauração dos Atos Institucionais nos anos que se seguiram (anos de chumbo), como o Ato Institucional Nº5- AI 5 de 13 de dezembro de 1968, que suspendia várias garantias constitucionais, dando poderes absolutos ao Presidente. A primeira consequência foi o fechamento do Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais por quase um ano, dando aos Executivos Federal, Estadual e Municipal a função de legisladores também; podia suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos por 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. O Poder Judiciário também se subordinava ao Executivo, pois os atos praticados de acordo com o AI-5 excluiam-se de qualquer apreciação judicial. A censura prévia se estendia à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema, impedindo qualquer manifestação cultural que fosse contra o regime (ou que entendessem que fosse). Muitas mortes de estudantes e manifestantes ocorreram nesse período. Os protestos eram reprimidos a balas e granadas (sem que a imprensa divulgasse). No início dos anos 70 a Ditadura Militar Brasileira adotou meios cruéis de repressão como, tortura, sequestro, cárcere privado, assassinato e esquartejamento do corpo das vítimas e ocultação das partes do cadáver, sendo que as famílias nunca foram informadas, pois nem mesmo a prisão dessas pessoas eram admitidas, surgindo, então, o termo Desaparecido Político, para designar as vítimas desse período (só reconhecidos em 1995 no governo de Fernando Henrique). Como tantos da época, meu pai morreu muito cedo, em 1971, deixando 7 filhos (eu tinha 1 ano) e minha mãe grávida de 2 meses da minha irmã mais nova. Hoje se fala da grande depressão coletiva e na morte precoce que se abateram sobre os presos políticos e pessoas de bem que não acreditavam/aceitavam o assassinato da democracia.

Foram praticamente 21 anos de ditadura (1964-1985), de repressões individual, coletiva, da imprensa, da representação política. Foram 20 anos de “cale a boca, é assim e pronto”e eu fico pensando: Será que os 26 de redemocratização (1985-2010) ainda não foram suficientes, mesmo com eleição após eleição, para a construção da verdadeira democracia? Será que precisaremos de outra repressão para valorizarmos a nossa liberdade? E que liberdade é essa se querem tirar nossa criatividade e não se ensina mais a ter pensamento crítico?Para onde foram os festivais que eram nascedouros de verdadeiros talentos da boa música e cultura? A política que temos é a política que queremos? Só faremos protesto se a mídia inflamar como no “fora Collor”? E fora da onde se ele é senador hoje?

Sei que ainda tenho mais perguntas do que respostas, assim como a maioria, mas estou certo que a flor da democracia não pode morrer ou se fazer inexpressiva, sob pena de desrespeitarmos a memória dos que se foram por ela, como meu pai e tantos outros que sofreram para ver um país e uma sociedade livres, nos legando a dignidade e espírito de luta. E nós? O que estamos passando para as próximas gerações enquanto cidadãos e políticos? Ainda prefiro que as esperanças moldem os sonhos de uma cidade e um país melhor e não nossas decepções. O exercício da democracia é difícil pela diversidade de olhares, mas são esses diferentes olhares que tornam nosso mundo tão singular e completo, mas precisamos de tolerância e compreensão para tal. Nós, agentes políticos e cidadãos, devemos discutir idéias e soluções para a melhoria da nossa terra e melhor qualidade de vida para o nosso povo e não podemos perder tempo com divagações vãs que não interessam e nem nos acrescentam em nada, pois quem sabe não espera o que pode acontecer, o tempo vai embora sem a gente perceber ou como no refrão: “Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”...



Nota: Em 1968, no Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro, no maracanazinho, Chico Buarque e Tom Jobim ganharam o festival com a canção “Sabiá”. Segundo os periódicos da época, foi a maior vaia da história, pois a canção que ficou em segundo lugar, com esses versos acima como refrão, foi aclamada como campeã, emocionando a todos e tornando-se um hino contra a ditadura. Esse fato causou um grande dissabor na elite militar que obrigou seu compositor, Geraldo Vandré, ao exílio na Europa e sua canção foi proibida e censurada em todo o país. O nome dela éPRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES”.

2 comentários:

Pedro Augusto disse...

Não li essa matéria no jornal. Você conseguiu me emocionar amigo. Parabéns pela sensibilidade, vc precisa escrever seu livro logo. Abraços.

Mariluce disse...

Fabulosa materia Mafu, além de ser um show de informação pautada por sua história de família. Parabéns!