Essa é uma daquelas histórias que a gente acha que só vê na TV, mas aconteceu comigo ontem, 23 de abril. Estava trabalhando na Unidade de Saúde do Bairro da Cruz, vacinando contra a gripe e fazendo os trabalhos de todo dia quando, desesperadamente, uma adolescente entra gritando pedindo para socorrer sua tia que estava sangrando muito em casa, perto do posto.
Peguei luvas e materiais para curativo e desci o morro até a residência, me apontaram um pequeno banheiro e, para minha surpresa, lá estava a mulher, de cócoras sobre o vaso sanitário dando a luz. Eu e outra senhora que já estava dentro do pequeno banheiro pegamos uma toalha de banho e acabamos de fazer o parto, pincei o cordão umbilical, cortei, e passei a pequenina para a técnica de enfermagem que virou berçarista no improviso.
Levei a mulher, de 41 anos até seu quarto para que ficasse mais confortável esperando a dequitação (saída da placenta) quando chegou o SAMU que conduziu mãe e filha para a maternidade da Santa Casa.
Graças a Deus tudo ocorreu de uma forma normal, após o fato fiquei me questionando?
Gravidez de 41 anos, ainda mais sem pré natal é gravidez de risco; e se a mãe tivesse pressão alta e fizesse quadro de eclampsia, com convulsões e etc dentro do minúsculo banheiro? E se a criança estivesse em posição pélvica ou com circular de cordão, naquela posição, praticamente dentro do vaso sanitário? E se... tantas coisas poderiam acontecer...
O mais surpreendente de tudo isto foi que logo depois fui questionar a família que, para uma maior surpresa minha inda, estavam tão perplexos quanto eu, pois não sabiam de nada, assim como a mãe dizia ignorar a gravidez! Como assim!
Volto minhas reflexões para nós, seres humanos. Que tempos são esses que vivemos? como podemos morar com alguém e não perceber uma mudança tão óbvia que acontece em uma gestação? Até quando vamos olhar e não vermos, verdadeiramente, as pessoas? Até quando vamos ouvir e não escutarmos o nosso semelhante?
Não vou questionar nenhum serviço de saúde, nem me cabe esse questionamento, mas segundo os familiares, no dia anterior ela urinou muito e foi para outro serviço de saúde dizendo que estava com infecção urinária, provavelmente era a bolsa das águas que havia rompido? Enfim, tantas evidências que a pequena estava vindo ao mundo?
Estamos trabalhando para implantar a rede cegonha, as questões de humanização no atendimento, as consultas de enfermagem que tantas diferenças fazem para os usuários, enfim...
Agradeço a Deus pelo desfecho que o caso teve e peço a Deus que abençoe esse pequeno anjo que já veio ao mundo com seu direito de nascer dignamente negado e, principalmente, por hoje não estar vivendo a continuidade de uma história trágica, pois poderiam ser dois caixões no velório e não duas vidas saindo da maternidade!