"Ditadura é um discurso constante te ensinando que seus sentimentos, seus pensamentos, e desejos não têm a menor importância, e que você é um ninguém e deve viver comandado por outras pessoas que desejam e pensam por você." (Stephen Vizinczey)
Em 1869, a sociedade do Vale do Paraíba estava em convulsão. A região com a maior economia da Província de São Paulo e do Brasil, devido às imensas fazendas de café, tinha nos escravos o seu maior patrimônio econômico. A abolição, para as mentes conservadoras dos barões do Café, era inadmissível, assim como os ideais republicanos. Já para os liberais, que defendiam a abolição e o fim da monarquia, essa visão era retrógrada e desumana. Influenciados pelos pensamentos iluministas de Rosseau e pelos ideais da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, eram comuns as reuniões nas tabernas e botequins da Lorena e das cidades do Vale Imperial. Essa nova filosofia foi decisiva nas eleições (conhecidas por eleições de paróquia) do ano anterior, onde os liberais saíram vencedores.
O Imperador D. Pedro II havia nomeado o Barão de Taunay como Presidente da Província de São Paulo e este nomeou, o Capitão José Vicente de Azevedo, a despeito de 10 processos que tinha contra si em juízo, para ser delegado de polícia, inspetor de instrução pública, comandante superior interino e inspetor de todas as estradas de Lorena e o maior cabo eleitoral dos conservadores do norte de São Paulo.
A derrota dos conservadores e o avanço das idéias liberais antiescravistas e republicanas iravam os fazendeiros conservadores e a violência também avançou como registrado no requerimento impetrado pelo deputado Oliveira Braga na sessão de 12 de maio de 1869, na Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo. Ele sobe à tribuna e discorre ao Presidente Carrão e demais deputados como segue:
“Sr. Presidente; o Brasil inteiro tem neste momento os olhos fixos sobre um ponto da Província de São Paulo onde se passam cenas de verdadeiro canibalismo, cenas tais que poderiam por si só caracterizar o período desastroso que atravessamos, e levar ao estrangeiro uma bem triste idéia da nossa civilização, a não ser que se erguessem vozes indignadas para contra elas protestar em nome da moralidade do país. Refiro-me, Sr. Presidente, à infeliz cidade de Lorena, que voltada ao extermínio pelos agentes da ditadura, expia em horrores de todo o gênero o denodo com que soube em todas as épocas sustentar a vitoriosa bandeira da liberdade e lealdade (...) Propondo-me a esboçar diante desta Assembléia o quadro negro de um crime que figura de principal protagonista a primeira autoridade da província; permita-me V. Ex. que me afastando dos meus estilos parlamentares, entre em consideração de outra ordem, que reputo causas sinistras do estado melindroso daquela localidade, e que servirão de ponto de partida aos exames dos fatos de verdadeiro escândalo, que me forçam a vir à tribuna (...).
(...) Estou convencido, Sr. Presidente, que o direito supremo de indicar a polícia que deve dirigir o governo da nação (...) é uma disposição usurpada das leis liberticidas, que entregando nas mãos dos governos improvisados a polícia e a guarda nacional, armou-os com o poder de sufocar o livre pronunciamento das urnas e escrever com a ponta das baionetas o nome dos seus próprios representantes (...)
(...) não podia admirar-me a súbita ascensão do partido conservador, embora repudiado nas urnas; o que, porém, contristou-me, Sr. presidente, foi ver em pleno Século XIX, em um país civilizado, e por um ministério presidido pelo Sr. Visconde de Itaboraí, distribuir por cada uma das províncias do Império por nomes que simbolizavam uma política de extermínio a que foram em cada uma delas pejar as prisões de cidadãos inofensivos, encorrentar inocentes, levantar crimes, violar o santuário da honra das famílias, e, o que é ainda mais, Sr. Presidente, foi ver com olhos da indiferença o próprio assassinato cometido impunemente por urna policia desenfreada...”
Em seu longo discurso, o Deputado Oliveira Braga, sempre muito apoiado pelos colegas, os Deputados Paula Souza, Prudente de Moraes, Tito, entre outros, discorrera sobre a chacina promovida pelo então chefe da polícia de Lorena, o conservador Capitão José Vicente de Azevedo.
Oliveira Braga discorre sobre a personalidade violenta do Capitão José Vicente de Azevedo e, atribui as cenas de sangue, jamais vista na cidade, no dia 19 de fevereiro de 1869, ao Presidente e ao Chefe da Polícia da Província, por investi-lo de cargos de tanto poder.
Segundo o Deputado, a vitória dos liberais nas eleições paroquianas do ano anterior disparou a ira do capitão que mandou assassinar o fazendeiro liberal Junqueira e causou o suicídio, por diversas ofensas a moral, do também fazendeiro e liberal Cardoso.
Mais de quarenta famílias de bem da cidade se mudaram para as cidades vizinhas, temendo a ira e o desejo de vingança desenfreados do Capitão conservador.
Tanta barbárie só poderia resultar em mais barbárie. Assim, o capitão José Vicente de Azevedo foi vítima de uma emboscada que acabou com a sua morte no mesmo ano. Diante desse cenário, o Presidente Provincial mandou diligências para investigar a morte do correligionário, tentando subornar testemunhas para condenar outros liberais.
Esse fato mostra o desatino social vivido nos anos pré abolição e república na nossa cidade e região. A decadência das elites e oligarquias conservadoras ruralistas não admitia perder a hegemonia social e econômica.
O café entra em decadência na cidade e região a partir dos anos de 1870 e, como a história mostra, 18 anos depois, a libertação dos escravos aconteceu e, no ano seguinte, veio a República.
Esse fato expõe que nem tudo era tão lindo nos tempos dos opulentos Casarões da terra das palmeiras imperiais do Brasil Imperial. E para contrapor a frase de Louis Philippe de Ségur que diz que "A história é uma apelação dos erros contemporâneos aos juízos da posteridade”, fico com a do sábio mestre Mahatma Gandhi: “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova."
Bibliografia: Annaes da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo 1869 – p.11-27